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PATRÍCIA PRANKE *
“Aproveite a única chance de congelar o sangue de cordão de seu filho, ele pode ter uma doença no futuro e você irá se arrepender se não o fizer”. “Faça um seguro de vida para seu filho e congele o seu sangue de cordão”. Como uma mãe com oito meses de gestação ouve essas afirmações? Diversos pais impressionam-se frente ao terrorismo imposto por essas propagandas enganosas.
Mas esses pais e mães também têm o direito de receber informações verdadeiras para decidir ou não por tal procedimento. Recentemente, lemos sobre a esperança de uma mãe que congelou o sangue de cordão de seu filho na expectativa de usar as células-tronco para curar sua própria leucemia. Obviamente que, se dedico meus estudos às células-tronco, é porque acredito que elas são uma possibilidade de cura de muitas doenças. Porém, precisamos ser cautelosamente otimistas e falar sempre a verdade. As células-tronco do sangue de cordão são boas para substituir a medula óssea em doenças hematológicas. Mas não servem para outras doenças, pois não têm as chamadas células-tronco mesenquimais, só as hematopoéticas. Ou seja, para curar leucemias, são ótimas. O ideal é que tenham 100% de compatibilidade. Em raros casos, até se pode aceitar 70%. Mas não 50%, o que ocorre entre pais e filhos. Logo, células de um filho não seriam usadas por hematologistas em sua mãe. É verdade que a chance de encontrarmos um doador fora da família é de 1 para 100 mil. Porém, por que não se fala que só no Brasil há praticamente 3 milhões de doadores de células-tronco de medula óssea ou cordão umbilical? Ou seja, cada um de nós tem cerca de 30 doadores compatíveis se precisarmos de um transplante em caso de leucemia ou outra doença hematológica. E, se procurarmos em todo o mundo, a chance é bem maior, pois há mais de 20 milhões de doadores integrantes da rede pública. Por que, também, não se esclarece que em caso de necessidade clínica, como, por exemplo, de uma gestante já ter um filho com leucemia, o sangue de cordão umbilical de um filho pode ser congelado de forma totalmente gratuita, pelo sistema público de saúde? Basta o ginecologista contatar os órgãos públicos que a coleta é facilmente realizada. Por que não se esclarece que mais de 95% dos casos com indicação clínica de transplante de células do sangue de cordão umbilical ou medula óssea são leucemias e doenças genéticas, para as quais não se deve usar o sangue de cordão da própria criança, mas sim doado por outro, desde que compatível, visto que o sangue da criança já deve ter a doença?
Por isso, diversos países da Europa proíbem o congelamento do sangue de cordão umbilical para uso autólogo. Bancos de cordão são excelentes para uso alogênico, ou seja, doado por outra pessoa e congelado nos chamados bancos para uso público. Mas são ineficientes para uso autólogo, que congela o sangue da própria pessoa, nos chamados bancos para uso privado. E, também, praticamente só são usados para doenças hematológicas. Não adianta congelar na esperança de usar para outras doenças, como doenças cardíacas, diabetes, neurológicas, pois são pobres em células-tronco mesenquimais. E não devemos esquecer que nós somos fábricas de células-tronco. Então, se precisarmos delas aos 60 anos, em lugar de usarmos células congeladas há anos, é muito melhor usarmos células novas extraídas da nossa própria medula óssea ou da gordura, para esses casos não hematológicos ou genéticos. Por que, então, continua-se omitindo a verdade para esses pais, que têm o direito de conhecê-la? A explicação é muito simples: a verdade iria fazer com que a busca pelo serviço de congelamento de sangue de cordão umbilical para uso próprio (autólogo) se reduzisse a menos de 10%. Essa é também a opinião de inúmeros hematologistas sérios, como Cármino de Souza, presidente da Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, que compartilhou comigo essa preocupação: “esses bancos não passam de ‘vendas de ilusões’ pois o impacto à saúde individual ou coletiva é praticamente zero. Infelizmente, há uma bem organizada ‘indústria’ de pressão sobre pais e avós, em um momento de alegria onde é muito fácil obter alguma vantagem”.
Mas o Brasil está mudando. Não somos mais um país de “Gersons”, que querem tirar vantagem em tudo. Somos agora um país de “Joaquins Barbosas”, que dizem a verdade, doa a quem doer.
* Professora da UFRGS e pesquisadora do Instituto de Pesquisa com Células-Tronco
Fonte: Opinião ZH